segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

LEITURA : DIANTE DA LEI, conto de Franz Kafka (1883-1924)




Diante da lei está um porteiro. Um homem do campo chega a esse porteiro e pede para entrar na lei. Mas o porteiro diz que agora não pode permitir-lhe a entrada. O homem do campo reflete e depois pergunta se então não pode entrar mais tarde.
-É possível - diz o porteiro - mas agora não.
Uma vez que a porta da lei continua como sempre aberta e o porteiro se põe de lado, o homem se inclina para olhar o interior através da porta. Quando nota isso , o porteiro ri e diz:
-Se o atrai tanto, tente entrar apesar da minha proibição. Mas veja bem: eu sou poderoso. E sou apenas o último dos porteiros. De sala para sala porém existem porteiros cada um mais poderoso que o outro. Nem mesmo eu posso suportar a simples visão do terceiro.
O homem do campo não esperava tais dificuldades: a lei deve ser acessível a todos e a qualquer hora, pensa ele; agora, no entanto, ao examinar mais de perto o porteiro, com o seu casaco de pele, o grande nariz pontudo, a longa barba tártara, rala e preta, ele decide que é melhor aguardar até receber a permissão de entrada. O porteiro lhe dá um banquinho e deixa-o sentar-se ao lado da porta.
Ali fica sentado dias e anos. Ele faz muitas tentativas para ser admitido e cansa o porteiro com os seus pedidos. Às vezes o porteiro submete o homem a pequenos interrogatórios, pergunta-lhe a respeito da sua terra natal e de muitas outras coisas, mas são perguntas indiferentes, como as que os grandes senhores fazem, e para concluir repete-lhe sempre que ainda não pode deixá-lo entrar. O homem, que havia se equipado com muitos objetos para a viagem, emprega tudo, por mais valioso que seja, para subornar o porteiro. Com efeito, este aceita tudo, mas sempre dizendo:
-Eu só aceito para você não julgar que deixou de fazer alguma coisa.
Durante todos esses anos, o homem observa o porteiro quase sem interrupção. Esquece os outros porteiros e este primeiro parece-lhe o único obstáculo para a entrada na lei. Nos primeiros anos , amaldiçoa-o em voz alta e lamenta pelo acaso infeliz; mais tarde, quando envelhece, apenas resmunga consigo mesmo. Torna-se infantil e uma vez que, por estudar o porteiro anos a fio, ficou conhecendo até as pulgas da sua gola de pele, pede a estas que o ajudem a fazê-lo mudar de opinião.
Finalmente sua vista enfraquece e ele não sabe se de fato está ficando mais escuro em torno ou se apenas os olhos o enganam. Não obstante reconhece agora no escuro um brilho que irrompe inextinguível da porta da lei. Mas já não tem mais muito tempo de vida. Antes de morrer, todas as experiências daquele tempo convergem na sua cabeça para uma pergunta que até então não havia feito ao porteiro. Faz-lhe um aceno para que se aproxime, pois não pode mais endireitar o corpo enrijecido. O porteiro precisa curvar-se profundamente até ele, já que a diferença de altura mudou muito em detrimento do homem:
-O que é que você ainda quer saber? pergunta o porteiro. Você é insaciável.
-Todos aspiram à lei - diz o homem. Como se explica que em tantos anos ninguém além de mim pediu para entrar?
O porteiro percebe que o homem já está no fim e para ainda alcançar sua audição em declínio ele berra:
-Aqui ninguém mais podia ser admitido, pois esta entrada estava destinada só a você. Agora eu vou embora e fecho-a.

Franz Kafka, nascido na antiga Checoslováquia, é um dos principais escritores em língua alemã do século XX.

Principais obras: "Metamorfose", "O Processo" e "O Castelo".


Produção de texto a partir da leitura do conto acima:

1-Narrativa, modificando a trama. O homem do campo desafia o primeiro porteiro e entra na Lei.

2-Dissertação tendo por base a pergunta: O homem do campo não entra na Lei por ter medo do desconhecido ou por outros motivos?

3-Narrativa: O porteiro relata os fatos a partir do seu foco.

4-Texto reflexivo (filosófico): O que significa no seu ponto de vista o fato de aquela entrada estar destinada só ao homem do campo? Cada pessoa tem uma entrada destinada a ela, a qual precisa percorrer sozinha?

5-Narrativa: Um homem espera durante cinquenta anos uma pessoa que lhe enviou uma carta dizendo que um dia chegaria, sem cumprir a promessa.

2 comentários:

james disse...

Brilhante! O que uma boa leitura. Isso foi um bom post - informativo, mas não demasiado pesado. Obrigado por tomar o tempo para escrevê-lo! Eu acho que a espiritualidade é muito importante também, certamente concordam com esse ponto. Um líder sem espiritualidade está faltando um elemento chave.

alvaro disse...

Grata surpresa, acabei de ler um livro fantástico: Ordem dos Fantasmas, onde o autor fez uma linda metafora utilizando esse conto de Kafka. Acho que você gostaria de ler esse livro. Visite:ordemdosfantasmas.blogspot.com
e adorei seu blog!