Fonte: Folha de São Paulo
Folha Equilíbrio
São Paulo, quinta-feira, 17 de setembro de 2009
NEUROCIÊNCIA
Suzana Herculano-Houzel
Jogos de guerra
Ah, a globalização: ontem estava na minha casinha, hoje estou nos Estados Unidos cuidando da colaboração entre meu laboratório e o do Jon Kaas, da Universidade Vanderbilt.
Como nas últimas vezes, ele e sua mulher me hospedam. Enquanto começo a espalhar meus papéis na mesa da sala e decido por qual artigo começar, Jon cuida da sua tarefa habitual dos sábados: assistir aos jogos de futebol americano na televisão.
Foi assim que descobri que adoro o jogo. Acho muito mais divertido do que o nosso futebol, onde um jogo pode se arrastar por mais de uma hora com a bola rolando e sem um gol sequer. No futebol americano não tem enrolação: cada lance é emocionante, sempre tem algo acontecendo conforme um time tenta avançar míseros dez metros com a bola e o outro faz de tudo para impedir.
E ainda tem as peculiaridades das regras. Todas as regras de esportes são arbitrárias, mas as do futebol americano têm um objetivo muito importante: manter um certo nível de cavalheirismo e gentileza em um jogo onde o objetivo é derrubar quem estiver com a bola.
Acho divertidíssimo: não se pode encostar em quem estiver de mãos vazias, mas basta interceptar a bola e você se torna alvo -legítimo!- de uma dezena de brucutus vitaminados e protegidos pela versão "light" da armadura das guerras de outrora.
Por que gostamos tanto de assistir a embates esportivos? Posso pensar em várias razões -o prazer de conferir desempenhos excepcionais muito além de nossas capacidades cotidianas, a identificação com um jogador ou um time, o conforto de não precisar se mexer enquanto alguém faz isso por você.
Mas talvez esportes coletivos sejam especialmente empolgantes porque funcionam como substitutos das guerras de antigamente para satisfazer nossos desejos de sangue (metafórico e nem tanto) relacionados a dominação, territorialidade e aos nossos vínculos sociais: o senso de coletividade e a identificação com um grupo junto do qual nos opomos ao inimigo.
Existe até uma região no cérebro responsável pela formação desses vínculos sociais: os núcleos septais, bem na linha média do cérebro. Além disso, a neurociência já sabe que somos capazes de compartilhar do prazer das pessoas com quem nos identificamos, de modo que o prazer do seu jogador favorito ao fazer um gol se torna o prazer do seu sistema de recompensa também -e de uma nação inteira, quando o que está em jogo é a honra nacional. Se não há guerra, cria-se uma no gramado.
SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora do livro "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante) e do blog "A Neurocientista de Plantão" (www.suzanaherculanohouzel.com )
suzanahh@gmail.com
QUESTÕES:
1-Comente o artigo de Suzana Herculano-Houzel
2-Será que nunca superaremos o nosso vínculo com a disputa e o conflito?
PROPOSTAS TEMÁTICAS:
1-Dissertação: O conflito move a narrativa e também as relações humanas.
2-Narração: Narrador-personagem relata como a sua vida ganhou impulso a partir do momento em que um colega de trabalho ou de escola passou a atormentá-lo.
3-Carta: Namorado escreve carta à namorada explicando que, apesar de gostar muito dela, está rompendo o namoro por ela ser boazinha demais, concordar com tudo, tendo com isso tornado a relação monótona.
4-Crônica: Escreva uma crônica a partir da frase de Carlos Drummond de Andrade: "A guerra é o estado natural do homem, a paz são as férias."
5-Dissertação: O ser primitivo que nos habita pode mais que o animal racional que afirmamos ser?
quinta-feira, 17 de setembro de 2009
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