Folha de São Paulo, domingo, 08 de fevereiro de 2009
JANIO DE FREITAS
Com toda a liberdade
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Desde quinta, não importa se o crime é de terno e gravata ou com arma na mão; prisão, agora, só após o último recurso
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NA EUFORIA DA imaginação sem cobrança, Lula atribui ao PAC a criação de um novo gênero de transplante, de extenso efeito social. No Supremo Tribunal Federal, com quatro exceções, a maioria dos ministros nos põe em dúvida quanto à função social da lei.
Lula fez a sua descoberta em visita de propaganda à favela carioca do morro Dona Marta, onde o PAC, o Estado e a prefeitura providenciam moradias decentes e melhorias urbanísticas. As obras "expulsaram os bandidos" locais e com isso, disse Lula, criaram o necessário exemplo de como extinguir a criminalidade acoitada em favelas.
A expulsão não tornou dispensável o sistema de segurança com proporções bushianas, mas isso não vem ao caso, nem mesmo para considerações sobre a arbitrariedade do frequente fechamento de ruas, para a comitiva do presidente popular não se envolver com o povo em trânsito. Em qualquer circunstância, a dedução criativa de Lula seria oportuna, na semana que testemunhou novos e graves confrontos entre polícia e bandidagem em favelas do Rio e de São Paulo.
Não consta, porém, que um só bandido deixasse de sê-lo em homenagem às melhorias em seu refúgio. As muitas evidências são de que os bandidos adotaram a solução lógica e facilitada: transplantaram-se para outras favelas, de onde continuam a partir para os seus raides no território da cidade toda.
Aí está o verdadeiro exemplo do Dona Marta: certa humanização que afinal seja feita em umas e outras favelas pode ser solução apenas para a criminalidade local, com duração incerta e se chegar a ser solução. Na outra favela da zona sul com obras do PAC, a feroz ipanemense Pavão-Pavãozinho, na atividade sem férias e sem feriados a bandidagem não dispensa nem o material de construção lá depositado. Com isso, aliás, abriu um novo mercado de material para iniciativas privadas dentro e fora da favela.
Discutem alguns se o Rio já chegou a mil favelas ou apenas se aproxima do número redondo. Qualquer conclusão demonstra que as oportunidades de transplante, de uma favela para outras, são quase infinitas para os bandos de assalto e de tráfico. A criminalidade disseminou-se e enraizou-se em tal dimensão, que as melhorias sempre esperadas por uma favela, se enfim iniciadas, no melhor caso significam o agravamento das condições de vida em outra região e suas favelas, com a maior concentração de criminosos.
Essa dimensão alcançada pela criminalidade enfavelada não é, no entanto, a dimensão total da criminalidade, que penetra em todos os recantos e contatos que proporcionem uma oportunidade de corrupção, de golpe, de peculato, de furto, de extorsão, de ludibrio. Entre os centavos e centenas de milhões, vale tudo no território nacional. Desde quinta-feira, com a probabilidade de ficar sem punição até quase o nível de garantia, não importa se o crime é de terno e gravata ou de arma na mão. É decisão do Supremo Tribunal Federal que permanência na prisão, agora, só depois do último recurso possível na última instância. Ministro Joaquim Barbosa: "Se tivermos de aguardar todos os recursos, o processo nunca chegará ao fim".
O exaltado ministro Cezar Peluso: "Se isso fosse verdade, as prisões não estariam superlotadas". Bem, estão superlotadas exatamente porque, até quinta-feira, a condenação na segunda instância já autorizava a prisão, sem a quase eternidade da espera de derrota do último recurso na última instância. Nota da Associação dos Procuradores da República da 3ª Região (SP), a propósito da decisão do STF, refere-se a um estudo que fez sobre a afirmação da ministra Ellen Gracie, em 2005, de que em nenhum país considerável o condenado em segundo grau continua impune, com novos recursos. Resultado: Inglaterra, França, Alemanha, Estados Unidos, Espanha, Portugal, e por aí afora, atestam a afirmação da ministra.
Logo teremos novos convivas nas ruas, e por toda parte, com os presumíveis efeitos. Os quatro votos contrários à continuada liberdade de criminosos e suspeitos condenados foram Ellen Gracie, Carmen Lúcia, Joaquim Barbosa e Carlos Alberto Direito.
QUESTÕES
1-O STF( Supremo Tribunal Federal) decidiu na última quinta-feira que quem cometer um crime poderá responder em liberdade até se esgotar o último recurso, com exceções decididas por um juiz. O que você pensa dessa decisão?
2-Analise a afirmação de Lula de que as obras que o seu governo realizou na favela no Morro Dona Marta "expulsaram os bandidos de lá". Trata-se de uma boa solução?
PROPOSTAS TEMÁTICAS
1-Escreva uma carta argumentativa ao presidente do STF,Gilmar Mendes, criticando a decisão do Supremo de deixar livre o acusado de um crime até que se esgote o último recurso.
2-Escreva uma narração que tenha como título: Cidade sem lei. Os fatos se passam em uma cidade imaginária, em que os bandidos comandam o lugar, criando as suas próprias leis. O nome da cidade deve ser criado por você, não se esqueça disso.
3-Escreva uma dissertação, baseada no texto acima, que tenha como tema: MAIS IMPUNIDADE?
domingo, 8 de fevereiro de 2009
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