quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

TEMA POLÊMICO

Folha de S.Paulo- 4-2-2009
TENDÊNCIAS/DEBATES

GENÉTICA E CÂNCER: UM CAMINHO DE DESAFIOS
GIOVANNI GUIDO CERRI


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Muito do que se descobrirá no futuro próximo será fruto de conquistas que trarão questões complexas, como a que envolveu o casal inglês
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PORTADORES DE enfermidades de origem genética têm em comum uma inquietação tão frequente quanto os desafios impostos por suas próprias doenças: o temor de repassá-las a seus descendentes por meio da hereditariedade.
Ao longo da última década, a medicina vem oferecendo a famílias preocupadas a possibilidade de evitar essa herança. Para tanto, é usada uma técnica na qual o embrião é testado, antes mesmo de ser colocado no útero materno, à procura de alterações genéticas que causem ou favoreçam o surgimento de certas doenças.
Foi o que ocorreu há pouco mais de duas semanas, quando o mundo assistiu intrigado à divulgação de notícias sobre o nascimento de uma menina inglesa selecionada para não portar a versão alterada de um gene que aumenta o risco de desenvolvimento de câncer de mama. O embrião que deu origem à criança só foi implantado no útero da mãe porque não tinha a alteração genética indesejável.
O feito ganhou destaque no noticiário internacional e trouxe consigo diversos questionamentos. Os pais da menina alegaram que a decisão de recorrer à testagem e à seleção de embriões teve como objetivo eliminar a transmissão dessa forma de câncer que vinha afetando a família por diversas gerações. Estudos científicos já mostraram que mulheres portadoras da versão alterada dos genes BRCA1 e BRCA2 têm um risco significantemente maior de desenvolver câncer de mama ou ovário quando comparadas com mulheres portadoras da versão normal do gene.
Porém, é importante acrescentar que a identificação em um indivíduo do risco aumentado de desenvolver uma doença de modo algum o sentencia a fatalmente ter a doença. O câncer, como se sabe, é uma enfermidade causada por múltiplos fatores, e a genética é apenas um deles. Logo, é impossível garantir que a criança nascida sem o gene alterado estará livre de ter câncer ao longo de sua vida.
Entre as vozes que se ergueram para condenar a prática, o principal argumento foi: o risco aumentado para desenvolver uma doença no futuro deve ser uma condição para que uma pessoa não nasça? A polêmica que envolveu a escolha da família britânica suscitou calorosas discussões éticas.
E moveu as atenções para longe de uma grande conquista da ciência: a existência de um teste como esse mostra que estamos cada vez mais próximos de identificar e interferir nos genes envolvidos no surgimento e na evolução do câncer. Se é verdade que a manipulação da genética humana para reduzir o risco de doenças trouxe implicações morais, por outro lado, é fato que os progressos da ciência nesse campo estão ajudando a ampliar o conhecimento sobre elas.
Hoje, uma área de pesquisa chamada oncogenômica pretende detectar as células que formam os tumores em nível molecular, ou seja, antes mesmo de elas se transformarem em células malignas. Tal conquista, infelizmente, está longe de ser realidade. Por enquanto, os cientistas estão identificando quais e quantos são os genes envolvidos no surgimento da doença e quais são fundamentais para a detecção de diferentes tipos de câncer.
Já perceberam, porém, que o diagnóstico molecular do câncer pode ir muito além de detectar e diagnosticar a doença. Por isso, estudam também como cada gene age -sozinho ou associado a outros genes, ou a partes de genes- para originar um tumor, que papel ele exerce na evolução da doença e como reage a diferentes tratamentos contra o câncer.
Traçar uma espécie de "perfil genético" de variados tipos de câncer pode, no futuro, fornecer aos médicos pistas de como cada "perfil" vai reagir diante das opções terapêuticas para tratar a doença. Ao longo do tratamento, a genética também poderá ajudar os médicos a avaliar melhor se o tratamento está surtindo o efeito esperado e desejado: a destruição do tumor com o mínimo possível de efeitos colaterais para o paciente.
Anos, talvez décadas de estudo ainda serão necessárias para alcançar o que hoje é considerado o estado da arte em pesquisa do câncer -o diagnóstico e o tratamento da doença em nível molecular. E muito do que se descobrirá no futuro próximo será fruto de conquistas que trarão consigo questões complexas, como a opção do casal inglês de selecionar o embrião desejável em meio a outros que portavam o gene alterado.
A ciência trabalha de forma incansável para ampliar o conhecimento humano sobre as enfermidades em busca de formas mais efetivas de cura.
Raramente a compreensão humana evolui com a rapidez das conquistas científicas. Deixar de progredir significa parar no meio do caminho. Cabe a nós, humanos, refletir e estabelecer nosso próprio tempo para compreender e decidir sobre o que ainda está por vir.



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GIOVANNI GUIDO CERRI , 55, médico, é professor titular da Faculdade de Medicina da USP e diretor-geral do Instituto do Câncer de São Paulo Octavio Frias de Oliveira.

QUESTÕES:

1-O teste do embrião, que tem por objetivo selecionar um embrião que não tenha a chamada "alteração genética indesejável", é aceitável do ponto de vista ético? E do ponto de vista científico? Qual dos dois deve prevalecer?

2-Qual a tese que o autor do texto defende?

PROPOSTAS TEMÁTICAS:
1-Escreva uma dissertação que tenha como tema: O PAPEL DOS ESTUDOS GENÉTICOS NA CURA DE DOENÇAS.
2-Escreva uma narração em que o narrador-personagem seja o primeiro indivíduo que tenha nascido a partir do teste do embrião. Ele está na fase adulta e conta a sua história. Não esqueça de desenvolver o conflito.



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